Em apenas um segundo do riso fez-se as lágrimas . Sempre são assim os acontecimentos que marcam nossas vidas: inesperados, rápidos e indeléveis.
O clima estava ameno, um ambiente de galhofa. Só se faz quinze anos uma vez na vida...
Um movimento brusco, instintivo, como milhares que possa ter dado na vida.
Esquivara-se de respingos de ovos, estourados sem dó numa comemoração tipicamente adolescente, era um grupo de amigos íntimos não haveria ressentiomentos ali.
Um escorregão. A gravidade o leva ao chão; o instinto, mas uma vez e sempre ele, o leva ao meio-fio. No entanto, não recolhe as pernas. Não havia perigo iminente.
Não vira o ônibus. Como pôde não ver algo daquele tamanho se aproximando? A visão é um sentido seletivo; naquele momento estava voltado em outra direção.
Um estalo seco, um urro de dor e o mundo vira de ponta cabeça. O desespero aflora e assume o controle das palavras e das ações. Há sangue. Como isso pode ter acontecido? Pereguinta inútil que normalmente vem.
Não há culpa. Não há culpados. Há dor. Há a impotência de querer ajudar e só poder arrastar da pista para a calçada.
Haviam acabado de sair da escola. O desespero os faz voltar em busca de ajuda. Socorro é uma palavra que não usamos. Chamamos por nomes, gritamos... Socorro só escuto em filmes.
Nessa hora tivemos lucidez suficiente para fazer o que deve ser feito: nada. Não podíamos tentar interferir numa situação tão grave; pedimos socorro - ligamos para o SAMU e os bombeiros.
Este foimo início de uma indignação maior. MInha noção de tempo estava nublada pela urgência exigida pela situação, porém, sem medo de ser injusto, posso afirmar: o socorro levou nno mínimo 40 minutosa para chegar. 40 minutos de dor, gemidos, lágrimas e sangue na calçada.
A curiosidade estéril parece que faz o tempo parar. O curioso inútil arruma tempo para parar a moto, o carro, a bicicleta, interromper uma caminhada ou simplesmente sair de casa para ver; ficar parado olhando como se fosse um espetáculo imperdível. Banalidade e banalização do trágico.
Como Nietzsche sofreria ao ver uma sociedade neste estágio de barbárie. Os olhos eram opacos, inertes. Perderam o senso do trágico, do horror, em algum momento da vida. Não sei, sinceramente, se posso chamar esta postura de curiosidade, é tão sem brilho; algo imanente a essa última. Aqueles olhos não reagiam. Não reagiam ante ao patético (ver pathos ou patos e patético num bom dicionário). Isso é trise...
A cena - a tragédia, o corpo no chão, o desespero, a dor, as lágrimas, osangue na calçada a indiferença, o descaso, a apatia, a indiferença, a impotência, a curiosidade mórbida, a indignação - poderia ser definida, filosoficamente, em alemão, por Zeitgeist, o espírito do tempo.
O espírito de um tempo em que o relativismo normalizante alcaçou o nível da vida, do cotidiano. Tudo é banal. É sempre mais um. Se não for parente, é qualquer um; nada de mais. Os corvos crocitam.
Os bombeiros chegam, é o pico da comoção. O caráter de urgência do acontecido insinua soluções mágicas, onde em fração de segundos o menino é removido e operado. Não obstante, a vidsa segue o fluxo do tempo, e para este caso alguns minutos ainda serão gastos.
A comoção assume novos tons com a chagada atrasada do SAMU. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, creio que seja necessária uma revisão conceitual ou uma discursão, igualmente conceitual, com os funcionários sobre o que é urgência.
As palavras soam vazias para pintar um quandro como esse, que possue cores tão fortes e o cheiro acre do sangue. É inútil, eu sei. Mas tentei. Algo devia ser dito a respeito. O silêncio leva ao esquecimento, assim como as palavras que não ecoam.
Foi apenas um segundo. E o riso verteu-se em lágrimas. Passou de um extremo a outro. No final, um retrato trágico da vida humana, atada entre um extremo e outro sobre o abismo da existência.
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